JN ediçao de Domingo 19 de Abril de 2009
(Visto do Sofá)
Álvaro Magalhães (Escritor)

Sim, sim, doeu. Ainda dói. É verdade que a participação do F.C.Porto na Champions desta época foi excelente, pois excedeu o que se esperava, mas, depois da exibição em Old Trafford instalara-se uma ilusão invencível na cabeça dos portistas, que passaram uma semana inteirinha a alimentar essa fé: lá íamos nós, outra vez, espantar o mundo da bola. Daí que, na quarta-feira passada, quando o suíço Bussaca apitou para o fim do jogo com o Manchester, se tenha ouvido o ruído seco e lastimoso dos sonhos quebrados. Um pontapé chegou para os reduzir a pó ;outro chegava para os tornar reais mas esse não chegou.
Esta, foi uma morte natural às mãos(e os pés também) dos melhores do mundo. A melhor morte do mundo, portanto(e, mesmo assim,dói tanto). E agora, que aterramos de cabeça na dura realidade, não custa reconhecê-la: o maior poderio dos ingleses foi evidente:estava escrito na relva. Quem tem pernas vai a Roma - e eles vão lá. Suspirava-se por uma repetição do jogo da primeira mão, mas não foi possível: já se dissipara o efeito surpresa. No Dragão, já não houve baldas, só respeitinho e trabalho sério: os médios-ala do Manchester ajudaram a barrar os flancos defensivos , os laterais não subiram, sombras impiedosas encobriram Lucho e Meireles; e até berbatov baixava para cortar as linhas de passe de Fernando e obstruir o inicio da construção. E isso não era tudo o que eles tinham para fazer, também estavam preparados para atacar em força. Na verdade, o golo intempestivo de Ronaldo é que sossegou essa fúria. Logo, não vale a pena lamentar a inspiração escusada de Ronaldo, que veio cá marcar o seu melhor golo (obrigadinho pela preferência), a lesão do comandante Lucho, o apagão de Hulk ou a lentidão reactiva de Helton. As nossas hipóteses resumiam-se a conseguir empatar perto do final, quando já não houvesse tempo de reacção do Manchester.
Porem, nem tudo foi reduzido a cinzas. Ficou a memória da hora e meia de Old Trafford, e não só, pois foram vários os momentos de beleza ao longo do percurso;e, como disse Keats, um momento de beleza é uma alegria para sempre. Mais: esta prestação exuberante serviu também para restaurar o depauperado orgulho euro-
"(...)nem tudo foi reduzido a cinzas. Ficou a memória da hora e meia de Old Trafford"peu dos portistas e avivara a biologia da tribo, que estava entorpecida desde 2004. E há ainda o plano económico, com os cerca de 20 milhões arrecadados (bela vitória sobre o orçamento), mais a valorização dos activos (eu disse isto?), o que permitirá uma preparação confortável da próxima época, ao contrario dos seus grandes rivais internos, que ficaram mais perto da desgraça.
Tantas coisas boas e, no entanto, ainda corre por aí um rio de mágoa. Mas ele passa, ele passa...